quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Terroir

"O que é isso do terroir?", "terroir?", "isso do terroir existe mesmo ou não passa de uma manobra de marketing?"...São algumas das perguntas que amigos que se iniciam nestas aventuras dos mágicos líquidos de Baco nos costumam dirigir...Assim, sem qualquer pejo e aproveitando o trabalho feito por outros, bem feito assinale-se, fazemos luz sobre a questão...Note-se que não concordamos a 100% com o artigo, sobretudo na parte que se refere a Portugal (pensamos que nomeadamente no Douro, Bairrada, Dão... e porque não ilhas?...é possível autonomizar terroirs.), mas o artigo sempre dá para esclarecer e lançar o debate...O TERROIR!

photo by Ângela Sobrinho

Terroir é aquilo que todos gostavam de ter mas que muito poucos têm. Tema controverso, de complicada definição e polémica aceitação, é no entanto uma realidade ambicionada (ou sonhada) por grande parte dos produtores de vinho no Mundo.

Terroir. Uma palavra francesa que representa um número complexo de factores que influenciam a biologia da videira determinando a qualidade final da uva e do vinho resultante. O termo foi criado em meados do século XIX quando Dubos e Laville, com base na centenária cultura vitivinícola borgonhesa, classificaram as vinhas segundo o seu Terroir. Assim nasceram os “Cru” borgonheses, criados e explorados por ordens religiosas (Beneditinos e Cistercienses) até à Revolução Francesa.

Gosto de Terroir
Há quem defenda que um Terroir consegue transferir para o vinho um gosto único e próprio. Do ponto de vista científico, a frase pressupõe do provador que a emprega uma atitude mais verborreica do que sensitiva. É impossível provar tal ideia embora vários estudiosos já o tenham tentado. 
Outros acreditam ainda que as notas aromáticas de mineral (xisto, barro, calcário, talco) ou pederneira se devem à força do Terroir que se entranha nas uvas e chega ao vinho que provamos. Para qualquer bom conhecedor da fisiologia das videiras tal teoria é inverosímil. Aliás, estes aromas minerais estão relacionados com a percepção de componentes sulfurados contidos no vinho (assunto já abordado nos Segredos do Vinho – Redução). 
Cientificamente não existe qualquer prova que relacione a composição mineral do solo com o aroma e gosto do vinho. Contudo aceita-se empiricamente que vinhas velhas com enraizamento profundo possam expressar melhor as características do Terroir, ou sítio onde se encontram plantadas, que vinhas novas, ainda que a maioria dos iões minerais pretensamente absorvidos pelas raízes se encontrem em maior número à superfície. Com a evolução da biologia molecular da uva será possível conhecer progressivamente em que medida o Terroir influencia o vinho que ajuda a produzir.

O que é o Terroir
Falar de Terroir é falar de topografia, orografia, geologia, pedologia, drenagem, clima e microclima, condução da vinha, castas, porta-enxerto, intervenção humana, cultura, história, tradição etc.
É muitas vezes confundido com noções mais latas como a Regionalidade e a tipicidade que lhe é inerente. Mas nada de confusões....
A regionalidade refere-se a um âmbito geográfico alargado que inclui latitude, altitude, condições climatéricas gerais, geologia do substracto, estrutura e textura do solo superficial, suas propriedades químicas, físicas, hídricas e térmicas, castas, porta enxertos, possibilidades de crescimento em profundidade das raízes etc. 
O Terroir poderá ser tudo isto mas a uma escala parcelar de dimensão limitada e bem definida. Passamos a falar de micro clima, de características muito específicas de solo e, acima de tudo, de grande equilíbrio entre a capacidade de drenagem e a capacidade de fornecer à planta apenas a água necessária para amadurecer convenientemente os frutos (sem estimular o crescimento vegetativo), enfim... passamos a falar de homogeneidade e harmonia absoluta entre microclima, solo/subsolo e planta. A este trinómio terá de se somar o factor humano, por vezes secular e histórico, na sua acção agrícola (escolha dos porta enxertos e castas, condução da cultura, fertilização etc.) e enológica (marcação das vindimas, vinificação, estágio e engarrafamento). Esta é a “tese” defendida por Gérard Seguin reputado estudioso dos solos e Terroirs de Bordéus. 

O Terroir e o Homem
Há quem defenda que o Terroir dá o carácter do vinho e que a acção do homem a sua qualidade. 
O factor humano é indiscutivelmente muito importante na manifestação do Terroir. Sem homem não há Terroir. É sua função e atributo ajudar a natureza a exprimir a suas melhores qualidades no vinho que produz. Associado ao conceito de Terroir está sempre associada a ideia de alta ou mesmo única qualidade. Mas um mau viticultor, preguiçoso ou insensível pode não conseguir fazer um bom vinho mesmo de um Terroir superior. O Terroir e o conceito de qualidade que lhe é inerente só são possíveis através de acção humana bem gerida e orientada. 
Um bom Terroir pode também ser neutralizado por uma enologia despótica e demasiado manipuladora e o vinho resultante ser igual a muitos outros vindos de vinhas e solos regulares ou banais. O Terroir é a comunhão de duas realidades altruístas: o melhor da natureza com o melhor do humano. A busca da expressão perfeita da civilização num copo de vinho.

Sem Preço não há Terroir
Ao conceito Terroir está também associado o de “preço alto”. Dai que todos queiram fazer vinhos de Terroir – pelo menos na imaginação. 
A famosa classificação dos Crus (Terroirs) bordaleses de 1855 foi sistematizada a partir dos preços de venda estabelecidos durante um século pelo poderoso Império Britânico, seu comprador. Claro que os preços correspondiam à notoriedade alcançada em muitas décadas a partir de uma qualidade ligada a um conceito geológico. No mesmo ano e com base no historial de cada vinha, fama e preço do vinho produzido, Lavalle estabelecia a primeira Classificação dos Crus ou Climats borgonheses (que remontam ao tempo de Carlos Magno - Corton Charlemagne) com base no conceito Terroir. Assim desde o princípio os Grand Cru borgonheses ou os Premier Cru bordaleses estiveram ligados ao alto prestígio, à exclusividade e a preços altos (ainda que não tão altos como na época em que vivemos).
Portanto Terroir não é apenas clima, solo, planta e homem, mas sim também, história e mercado.

A Borgonha dos Terroirs
Para Seguin, a Borgonha é a região do Mundo onde a noção de Terroir tem melhor expressão. A superfície das vinhas ou Crus é reduzida, por vezes dividida por dezenas de proprietários, e em cada Cru, (ou Climat) existe uma grande homogeneidade de solo, subsolo, microclima, quase sempre com uma única variedade plantada (Chardonnay ou Pinot Noir) e um porta-enxerto resistente à clorose, além de homogeneidade nos modos de condução e de técnicas culturais e enológicas. Já em Bordéus, pelo tipo de parcelamento e presença de mais castas, cada Chateau é uma soma de Terroirs distintos. Dai o existirem segundas e terceiras marcas na maioria dos Chateaux.
Na Borgonha e noutros locais do Mundo onde existam Terroirs divididos (Mosel, Alsácia, Champagne) é fácil avaliar a importância da acção humana na expressão de cada Terroir. Mais importante que o nome do Cru é o nome do produtor. Quase todos os Terroirs divididos por vários ou muitos proprietários originam vinhos diferentes, por vezes, demasiadamente diferentes, sendo que o preço nem sempre acompanha esta diferença. 

Novo Mundo Versus Velho Mundo
De um modo geral, o Novo Mundo negava a existência do Terroir ainda há poucos anos. Argumentavam que o conceito era anacrónico e que consistia apenas num acção de marketing da velha Europa que perdia todos os anos quotas de mercado para o Novo Mundo.
Com uma vitivinicultura apoiada no pragmatismo e nas boas práticas, o Novo Mundo foi mudando, a pouco e pouco, de opinião. Hoje a sua viticultura de precisão subdivide as vinhas em parcelas com características semelhantes de modo a conseguir uvas com maturação homogénea. É a sua maneira de trabalhar para atingir melhor qualidade. Mais ainda. O Novo Mundo aceita que a denominação de origem ou tipicidade relativa a cada região é o caminho para os vinhos de alta qualidade. 
Dois Mundos, dois conceitos de Terroir: o Velho procura reproduzir nos vinhos as especificidades de cada vinha e o Novo aceita o Terroir, ou pelo menos um conceito próximo, como um meio para melhorar os vinhos. Esta nova atitude espalha-se à Argentina, ao Chile, à Nova Zelândia e a todas as vinhas do Mundo de inspiração Novo Mundista que sem o historial e estatuto de algumas regiões europeias têm de lutar com outras armas e adaptar o conceito de Terroir à sua realidade.

E Portugal? 
Tradicionalmente um país de vinhos lotados, com muitas castas, só nos últimos vinte anos alterou significativamente o seu perfil de produção. Donde que, para os produtores de antigamente, o conceito de Terroir foi sempre uma ficção francesa. Hoje, com outra viticultura e outra consciência de mercado, há quem reclame Terroirs, mas é mais uma iniciativa de marketing que outra coisa. Em Portugal se se pode atribuir um... digamos...Terroir, será eventualmente a uma parcela de vinha com 2,5 hectares, homogénea, que conquistou elevado estatuto internacional, alto preço, com uma história rica etc. que produz o Porto Vintage Quinta do Noval Nacional. Nascido em 1931 é, porventura, a única marca portuguesa que pode reclamar o espírito de Terroir. Noutra escala de notoriedade, mas igualmente bastante cotados, poderemos considerar igualmente o Quinta do Crasto Maria Teresa ou o Mouchão. Em todo o restante país há vinhas ou parcelas de vinha no Douro, Dão, Bairrada, Palmela e Alentejo que produzem vinhos consistentemente superiores à média da região, por vezes verdadeiramente extraordinários, mas as marcas que deles provêm não são suficientemente fortes e consistentes para conquistarem o difícil e ambicionado atributo no mercado mundial. Além do maisn o actual trabalho da generalidade das adegas portuguesas tende a mascarar e a camuflar qualquer influência de Terroir. Caso ele exista, claro está!

Os Terroirs mais famosos do Mundo

La Romanée-Conti




Os monges chamavam em 1512 a esta vinha de 1.8 ha Le Cloux des Cinq Journaux. São os 18.000 metros quadrados mais famosos do Mundo. O solo desta vinha é calcário castanho com cerca de 60 cm de profundidade e 45% a 49% de argila e as condições de drenagem e exposição fazem-na produzir aquele que é talvez o vinho mais famoso do Mundo. 


Le Montrachet

O altar dos vinhos brancos mundiais. Houve batalhas travadas por esta pequena vinha de 8 ha dividida entre quase uma dúzia de produtores. Já em 1855 Lavalle afirmava que qualquer que fosse o preço pago por um Montrachet nunca seria demais, e em 1728 Claude Arnoux afirmava que não havia palavras que descrevessem o vinho de Montrachet e que apesar de ser muito caro era necessário reservá-lo com um ano de antecedência.
Parte do segredo do Terroir de Montrachet é o seu solo de pedra calcária e a sua perfeita exposição a sudeste. 


Pauillac

Faixa de vinhas com 3 km de comprimento e 6 km de largura na margem esquerda do Gironde produz os Cabernet Sauvignon mais famosos e mais caros do Mundo. Pauillac pode gabar-se de possuir 3 dos 5 Premier Cru Classé do Médoc, além de um grande número de outros super Cru Classés.
O segredo deste Terroir é, além da proximidade do rio e mar, o solo de cascalho que além de oferecer excelente drenagem favorece a maturação. 


Pomerol

Nesta região de 740 ha de vinha são produzidos alguns dos vinhos mais conhecidos e caros do Mundo. Pétrus e Le Pin lideram inclusivamente o preço de todos os vinhos Bordaleses. São vinhos de garagem com uma procura desenfreada e um preço acima do possível para a maioria dos apreciadores de vinhos. É um planalto a nordeste de Libourne onde o Merlot domina. Os melhores vinhos são feitos na parte alta do planalto em solos pobres onde as camadas de cascalho estão intercaladas com argila rica em ferro.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...